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Boletim n.2 – Xingu+23 – Caronas e Altamira

Começa agora o segundo relato dos paulistas urbanoides se surpreendendo a cada carona com a grandeza amazônica.

Saímos de Belém anteontem, quinta dia 7, no primeiro horário do navio-motor Jarumã, em direção à cidade de Moju. Vamos contar da nossa viagem aquilo que achamos que vai instigar a curiosidade de vocês, além deixa-los bem informados sobre esse trajeto de Belém a Altamira, que é cheio de boas “lições de Amazônia” – e de carona na Amazônia. Abram aí o mapa pra acompanhar o trajeto (http://goo.gl/maps/G8y1), que é o mesmo do ônibus Belém-Altamira – fora este primeiro trecho que fizemos pelo rio.

Antes da saída, em Belém, vimos nossa conhecida empreiteira Andrade Gutierrez atuando na construção do BRT (Bus Rapid Transport), um sistema normal de corredores proposto pelo prefeito tranqueira Duciomar Costa, cuja implantação está causando transtornos na Avenida Júlio César, que leva do aeroporto ao centro, no Entroncamento, que é o coração viário da cidade, e na avenida Almirante Barroso, que junto com a Pedro Álvares Cabral – o milico e o colonizador – é o principal eixo entre o Entroncamento e o centro velho.

Precisa lembrar? Ao lado das outras gigantes construtoras brasileiras (os nomes em foco são Odebrecht e Camargo Corrêa, mas há uma dezena de outras pouco menores), a Andrade Gutierrez fez doações polpudas à campanha da Dilma e do Kassab – e ao Serra também, para sempre estar ao lado de quem vence -, e hoje ganha a concessão de muitas dessas grandes obras no Brasil e em outros países latino-americanos. Ela integra o consórcio que está construindo Belo Monte, tem interesse no projeto da Nova Luz e executa obras da Copa e das Olimpíadas.

Com o BRT de Belém acontece aquela velha história: licitação suspeita, orçamento idem, populações desapropriadas de maneira brusca, planejamento capenga causando mais transtornos do que seriam necessários. Em fevereiro, o Comitê Metropolitano do Xingu Vivo participou de um protesto organizado por entidades sindicais e outras organizações. Depois desse ato (que não foi tão grande), a indignação da cidade ficou silenciosa: hoje os jornais apenas noticiam e os moradores apenas reclamam dos incômodos das obras, mas o projeto segue.

Voltando a nossa jornada… acordamos cedo, arrumamos nossa mala pra carona e fomos ao Ver-o-Peso pegar o barco até Moju. Era necessário sair de Belém, porque ninguém dá carona nas rodovias das cidades grandes: o melhor é alcançar a primeira cidade logo depois da metrópole. A embarcação não saía do porto do Ver-o-Peso, mas sim de outro embarcadouro um pouco à frente, passando o Forte. O barco segue por uma hora pela baía do Guajará até um lugarzinho chamado Arapari, e de lá tem um transbordo já incluso na passagem, para mais uma horinha de ônibus até Moju.

Para chegar à cidade é preciso atravessar o rio Moju. Ele é um dos braços do estuário do rio Amazonas (o mapa explica). Quando virem a extensão de margem a margem, lembrem-se que, na bacia amazônica, isso deve ser apenas um rio de porte médio.

Em Moju fomos pra saída da cidade, na PA-457, de onde seguimos no rumo sul passando por Tailândia e Goianésia. Nesta última cidade, pegamos outra estrada pra oeste em direção a Breu Branco e, finalmente, Tucuruí. Esse era o destino final do primeiro dia. Daí pra frente é pegamos a Transamazônica.

Antes e depois de Goianésia dá pra ver muitas plantações de eucalipto, que parecem ser lotes de “reflorestamento” para “compensar” a extração de madeira “legal” na floresta. Durante toda a viagem, aliás, as estradas estão ladeadas de muito pouca mata, o que ajuda a entender uma das estratégias mais fortes do projeto de colonização da Amazônia que vigora desde o regime militar: a abertura de estradas, dentre as quais a Transamazônica teve papel marcante, não resulta apenas na criação de vias de acesso terrestre rápido a regiões que antes dependiam sobretudo das vias fluviais; ela também arrasta junto o povoamento das terras por grandes e médios agricultores de outros estados, o desmatamento voraz para a extração de madeira e a posterior abertura de pastagens e cultivos, e com isso a lenta mas constante e visível transformação da paisagem amazônica em arranjos que lembram muito a zona rural do sudeste e do centro-oeste.

Chegando a Tucuruí está a maior hidrelétrica do estado do Pará, talvez da região Norte. Ela foi construída durante os últimos anos do regime militar, e suas comportas foram fechadas em 1984. Vejam no mapa a enormidade do lago que se formou. Esse é o rio Tocantins, que também é afluente do Amazonas. Ao longo da PA-457, à direita de quem vem, corre o linhão de transmissão que leva a energia gerada em Tucuruí para a cidade de Belém.

Um das pessoas que nos deram carona entre Tailândia e Tucuruí contou que as cidades que estão na beira do Tocantins a jusante da barragem (ou seja, depois dela) foram muito gravemente afetadas pela diminuição da vazão do rio. Eram comunidades ribeirinhas que viviam do peixe, e que agora não conseguem mais pescar (além do fluxo de água, também houve alterações no trânsito dos peixes rio acima e abaixo). Nenhum programa de compensação ambiental ou social da Eletronorte, segundo eles, enfoca essas cidades. Portanto, vinte e cinco anos depois, elas ainda não conseguiram adaptar seus modos de vida para forjar outras alternativas de subsistência menos dependentes do rio. A fome é uma realidade presente ali, em pleno contexto amazônico.

Mas o pior de tudo foi ouvir que essas mesmas comunidades não tinham fornecimento de energia elétrica até uns dois anos atrás, quando o programa Luz para Todos chegou àquela região. Imaginem só: às barbas da 4ª maior hidrelétrica do mundo, as moradoras dessas vilas conviveram durante quase 30 anos com esse inconveniente vizinho sem usufruir de um wattzinho sequer.

A estrada passa por cima da barragem de Tucuruí; os vertedouros quase sempre estão fechados, mas a visão mesmo assim impressiona.

Dormimos na Vila da Eletronorte, um bairro muito diferente do restante da cidade (imaginem aqueles subúrbios bucólicos dos filmes estadunidenses, e acrescentem a informação de que lá ninguém paga eletricidade). Fica perto da saída para seguir viagem, e isso era uma vantagem para nós. Duas irmãs que cozinham comida típica paraense para vender nas feiras de rua, nos abrigaram pela noite. Quando caminhávamos para a casa delas, a filha de uma delas nos disse: “A economia da cidade hoje é só comércio e Eletronorte”. A marca da empresa pública que controla a usina de Tucuruí é realmente visível em todos os lugares, e na vila mais ainda.

Chegamos no meio da “Semana do Meio Ambiente” promovida pela empresa, com palestras, oficinas, atividades de recreação infantil e educação ambiental, e uma quermesse que acontece no pátio da igreja da vila durante todos os fins de semana de junho. Era a Eletronorte promovendo a conscientização da população, porque cuidar do meio ambiente só depende de você. Havia barraquinhas de comida (quermesse paraense tem vatapá e maniçoba), bandeirinhas, e imensas caixas de som mandando ver no Luan Santana e no tchum-tchá-tchá-tchum, mas também no brega, no tecnobrega, nas bandas do boi de Parintins como o Carrapicho, no carimbó e nos grupos paraenses de funk e forró. O mercado da produção musical no Pará deve estar muito vigoroso desde que o tecnobrega reinventou e horizontalizou as estruturas de gravação e distribuição por aqui.

Distante da festa, uma fanfarra de rua parecida com a nossa bateria autônoma, a Fanfarra do M.A.L. – Movimento Autônomo Libertário – ensaiava seus toques. Era uma moçada de escola, adolescente, que mandava muito bem. Não deu pra filmar.

O segundo dia foi talvez mais cansativo, mas também menos cheio de acontecimentos. De Tucuruí se pega uma estradinha por 80 km até que se alcança a Transamazônica na cidade de Novo Repartimento. Temíamos que o dia fosse muito devagar, por estar bem no meio do feriado, mas tivemos sorte em encontrar caronas bem diretas e felizmente às 19h já estávamos todas em Altamira.

Não pegamos nenhum trecho transamazônico enlameado, só muito buraco e poeira. É meio duro e árido viajar por lá. A gente definitivamente não se sente no meio de uma floresta equatorial. Às vezes os quatrocentos quilômetros que separam Repartimento de Altamira parecem infinitos. Nós os percorremos em oito horas, que poderiam ser mais se tivéssemos tido menos sorte. Não desanimem nessas horas finais, essa aridez passa e a proximidade com o rio Xingu acolhe!

Ao longo da Transamazônica é possível ver as entradas dos travessões, que são as vicinais da rodovia. Vejam no mapa esse formato de “espinha de peixe” da estrada. Dá pra reparar na maneira com que os travessões funcionam como as portas pelas quais esse movimento de “colonização” da Amazônia vai se infiltrando na floresta.

Antes de Altamira estão as cidades de Pacajá e Anapu. Esta última foi a morada de irmã Dorothy durante todos os anos em que ela trabalhou aqui na Amazônia, e lá ainda funciona o seu PDS – Projeto de Desenvolvimento Sustentável – que, criando condições de autonomia para os agricultores da região, enfureceu os mandantes do seu assassinato.

Muitos quilômetros depois de Anapu, começam a aparecer plaquinhas da Norte Energia indicando a desapropriação de alguns terrenos ou a realização de obras de preparação da usina.

Para chegar em Altamira, a Transamazônica atravessa o rio Xingu. Não há ponte. A travessia é feita numa balsa, que ultimamente anda sobrecarregada de veículos nos “horários de pico”. Ouve-se a queixa de que o fluxo de gente e de máquinas cresce mês a mês, e de que começa a haver fila para a balsa.

Nesse ponto é que vemos pela primeira vez o rio Xingu.

A comunidadezinha onde a balsa se localiza – bastante desolada pra quem vê – se chama Belo Monte. Do lado de lá ainda é Anapu, e do lado de cá começa o município de Vitória do Xingu, de onde faltam apenas setenta quilômetros para Altamira. Da balsa até a comunidade de Santo Antônio (que ainda faz parte de Vitória) são vinte, e de lá ao centro de Altamira são mais cinquenta. A Vila de Santo Antônio é o ponto J do mapa.

Dá pra ver, à direita da estrada, o campo de futebol onde vai estar rolando o encontro.

Chegando aqui em Altamira fomos recebidos na sede do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, todos muito solícitos e atarefados com os mil preparativos do Xingu+23. Estamos alojados com jornalistas, fotógrafos e ativistas da causa, compartilhando uma cozinha coletiva, salas e varandas cheias de redes e muita motivação. O assunto é quase que um só: articulação, realização e divulgação do encontro, idéias de todo tipo tomando as formas mais inusitadas.

Hoje, sábado,o dia foi mais tranquilo. Alguns de nós passamos a tarde escrevendo textos, subindo fotos, respondendo e-mails e desenhando cartazes; outros visitaram a Vila de Santo Antônio e viram de perto o estrago da Norte Energia acompanhados de moradores locais. E, no começo da noite, ainda rolou uma reunião.

Agora escrevemos esse relato e encerramos nosso “horário comercial” aqui no Pará. Quem sabe role um forró noite adentro… Nos vemos logo logo!

 

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One Response

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  1. André de Castro Souza says

    É galera é isso aí…bem vindos ao Pará o estado das grandes distancias… eu estou a caminho!! saio de Belém amanhã! Muito tocante o relato de vocês! .. espero que possamos construir junto uma grande história!

    NÃO SERÁ FÁCIL, MAS CERTAMENTE SERÁ PRAZEROSO!